Bolsonaro perde força e fica refém do Alto Comando das Forças Armadas e do Centrão. Foto: Gabriela Biló
Há várias semanas, dizíamos em nossos editoriais que a situação brasileira marchava, aos solavancos, para sensíveis mudanças de qualidade. Foi o que ocorreu a partir da decisão do STF de anular as condenações de Luiz Inácio, que precipitou por sua vez a maior crise militar desde 1977 e abertura da CPI da Covid (alguns analistas chamam-na já CPI do genocídio), tendo como pano de fundo o massacre de 400 mil brasileiros no contexto da pandemia. Bolsonaro, acuado, insiste no seu samba de uma nota só: ameaça e mente, mente e ameaça.
Vejamos: em visita a Manaus, em entrevista a um apresentador de televisão de repugnante reputação, Bolsonaro revelou que “temos um plano” (sujeito no plural) caso o Brasil “entre no caos”. Ele revelara, ali, de propósito, a surrada carta que o Alto Comando guarda com zelo na manga: intervenção militar completa, amparada no artigo 142 da Constituição, para garantir “os Poderes constitucionais”. Fizera isso o presidente fascista para tentar emplacar a imagem de identidade entre seu plano e o dos generais, assustar a oposição legalista que tenta vingar o processo de impedimento e, de quebra, criar este caos sem o qual seu plano dificilmente arrastaria os generais.
Bem, tratam-se de verdadeiras as palavras ditas pelo nosso Bonaparte de botequim. De fato, eles têm um plano, inclusive detalhista em termos operativos. Para elaborá-lo fizeram mil experimentações, como a intervenção no Rio, os ensaios de Garantia da Lei e da Ordem e jogos de guerra. Que lunático ainda ousa acreditar que os generais estão defendendo esse arremedo emporcalhado que alguns chamam de democracia?
Agora, palavras à parte: Bolsonaro tem condições reais de desfechar o golpe de Estado, tal como queira, no curto prazo?
Para responder a esta pergunta, é mister ler com atenção os discursos proferidos pelos generais Edson Leal Pujol, ex-comandante do Exército, e Paulo Sérgio, atual comandante, nas mensagens direcionadas aos seus pares e à opinião pública. Edson Pujol disse, em suas “Palavras de despedida”, publicadas no último dia 20/04:
“[Agradeço] ao Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, Comandante Supremo das Forças Armadas, por ter me nomeado para esta importante e honrosa missão. Ao Senhor Ministro da Defesa, General Fernando, por ter me indicado para o cargo, por sua liderança e exemplo, pela lhaneza no trato e consideração com que sempre me distinguiu; pela orientação segura, judiciosa e oportuna; e, sobretudo, pelo respeito, consideração e amizade, que permitiram o cumprimento de variadas missões, em um ambiente de total confiança, lealdade e sã camaradagem”.
Ao “Comandante Supremo”, portanto, Pujol dedica uma mísera menção protocolar, rigorosamente obrigatória. Para Fernando Azevedo e Silva, Ex-Ministro da Defesa, subordinado a Bolsonaro, acaba-se em longos elogios e distinções. O mero contraste já indica o tamanho real do capitão falastrão junto ao Alto Comando das Forças Armadas. A seguir, Pujol ainda destaca os comandantes das outras forças armadas, que deixaram seus cargos junto com ele:
“Aos prezados amigos Almirante-de-Esquadra Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha do Brasil; e, ao Tenente-Brigadeiro do Ar Antônio Carlos Moretti Bermudez, que comigo trabalharam ombro-a-ombro, comandando as Forças coirmãs, os meus agradecimentos pelo eficiente trabalho em equipe, pela ajuda fraterna, troca de experiências, relacionamento franco e leal; e, pelas inúmeras demonstrações de apreço, amizade, solidariedade e apoio recebidos”. (Grifo nosso).
Solidariedade e apoio que resultaram na sua demissão dos respectivos cargos, em atrito direto contra a extrema-direita. Pujol fez, portanto, entre linhas, mais uma dura demarcação de posição em relação a Bolsonaro.
Paulo Sérgio Nogueira, por sua vez, na sua primeira mensagem pública como Comandante do Exército, publicada no Youtube no último dia 23/04, ressaltou que: “Fiéis aos princípios basilares da hierarquia e da disciplina, sob estrita observância da ordem constitucional vigente, devemos continuar a representar vigoroso vetor de estabilidade e de garantia da ordem e da paz social”. (Grifo nosso).
Sobre Bolsonaro, novamente, uma menção protocolar, no mesmo nível da referência a Braga Netto:
“Quero inicialmente agradecer ao senhor presidente da República, Jair Bolsonaro, comandante supremo das Forças Armadas, a confiança depositada neste soldado ao nomear-me para o comando do Exército Brasileiro, bem como ao senhor Ministro da Defesa, General Braga Netto, pela indicação de meu nome para tão nobre missão.”
Esta exígua referência merece ser comparada com a que ele fez ao seu antecessor:
“Agradeço também ao general Pujol, pela grandeza com que me transmitiu o cargo, com inequívocas demonstrações de lealdade e camaradagem. A serenidade e o equilíbrio com que conduziu este processo foram fundamentais para uma transição eficiente, tendo por base os valores e tradições da força e sua missão”.
Seu discurso concentrou-se ainda na atuação do Exército durante a pandemia e concluiu fazendo um chamado à reserva, pedindo que os militares permanecessem unidos. Como temos visto e comentado em mais de uma ocasião em AND, o recrudescimento da crise política tem sido acompanhado de uma série de pronunciamentos de militares da reserva e do Clube Militar apoiando abertamente um golpe de Estado. É para estes reacionários inveterados, em nome da disciplina e unidade da força, que se dirige o chamado de Paulo Sérgio.
Comparemos estas menções a Bolsonaro ditas acima com o discurso de transmissão de cargo proferido pelo general Villas Bôas, ocorrido em 11 de janeiro de 2019:
“O senhor [Bolsonaro] traz a necessária renovação e a liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar, embotaram o discernimento e induziram a um pensamento único, nefasto, como assinala o jornalista americano Walter Lippmann: 'Quando todos pensam da mesma maneira, é porque ninguém está pensando'”.
E, de novo, mais à frente, referindo-se às personalidades mais destacadas do ano anterior (2018), nas quais incluiu Sergio Moro, Braga Netto e “o presidente Bolsonaro, que fez com que se liberassem novas energias, um forte entusiasmo e um sentimento patriótico há muito tempo adormecido”. Naquela ocasião, Edson Pujol não discursou. Pouco mais de dois anos se passaram, mas é como se fossem décadas inteiras. Eram os primeiros dias deste desgoverno, quando ainda não caía sobre ele a pecha indelével e eterna de genocida, além de inepto, corrupto, boquirroto. É da mancha que os senhores oficiais generais querem se livrar, não da política de controle e sufocamento de qualquer manifestação genuína de protesto popular, perante a qual se apresentarão unidos para combatê-la. Se as massas se sublevarem, eles intervirão para massacrá-las, com ou sem Bolsonaro na presidência, na defesa da ordem iníqua e dos seus próprios privilégios, para o que, mediante chantagens, ameaças, pugnas e conluios, acabarão por receber todo o respaldo e legitimação dos demais “poderes constituídos”.
O contraste entre os primeiros discursos com os segundos não indica, obviamente, que antes houvera convergência de plano entre extrema-direita e direita militar; e também não significa que o êxito do plano bolsonarista esteja condicionado unicamente a uma boa relação com os generais. A médio prazo, se sobreviver no governo, existe a possibilidade de Bolsonaro arrastá-los a um golpe, quer gostem ou não os senhores generais, a depender do peso que o fascista possuir nas bases das forças militares e do grau de inoperabilidade do sistema político, determinado pelo nível de divisão existente no campo da reação e de mobilização no campo da revolução. Trata-se de uma equação complexa, insolúvel para o bolsonarismo no curto prazo.
A abertura dos trabalhos da CPI e o avanço, ainda que aos trancos e barrancos, das investigações sobre os crimes da família Bolsonaro no Rio de Janeiro (Bolsonaro, “o cara da casa de vidro”, é mencionado em reiteradas ligações grampeadas de milicianos, obtidas durante a investigação que resultou na execução de Adriano da Nóbrega no interior da Bahia) prometem elevar a crise política em meio à escalada da pandemia e à fome e debacle econômica. Reiteramos que nenhum rearranjo palaciano porá fim às mazelas que assolam o nosso povo. Contra os seus algozes, as massas populares devem atuar unidas em torno do seu próprio Estado-Maior, qual seja, o proletariado revolucionário, para romper o ciclo vicioso das iniquidades, rechaçar o golpismo encoberto ou declarado, avançar a Revolução de Nova Democracia e construir o Brasil Novo.
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