MFP - Movimento Feminino Popular
Em meio ao genocídio perpetrado
contra o povo brasileiro com mais de 100.000 vítimas fatais por COVID-19,
deparamo-nos com a notícia, nos monopólios de comunicação e redes sociais, da
gravidez de uma criança de 10 anos, no Espírito Santo, vítima de estupro. No
dia 08 de agosto, a criança deu entrada no Hospital Roberto Silvares, na cidade
de São Mateus (ES), com suspeita de gravidez, o que foi confirmado pelos
exames. Logo, a menina denunciou que era abusada desde os 6 anos de idade pelo
tio, e que nunca tinha falado nada devido às ameaças que sofria. No dia 14 de
agosto, mesmo após o juiz da Vara da
Infância e da Juventude de São Mateus
(ES), Antonio Moreira Fernandes, autorizar o procedimento, o Hospital
Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam) se negou a realiza-lo alegando
não ter protocolo para proceder a interrupção de gravidez com mais de 3 meses
de gestação.
A criança foi obrigada a viajar
para o Recife-PE para fazer o procedimento e esse processo seguia em segredo.
Até que a pulha “influencer”
bolsonarista Sara Winter decidiu expô-la a uma violência continuada revelando o
nome da criança e o hospital onde faria o aborto. Como se não bastasse a situação
bestial pela qual passa a criança, Winter não se importou em seguir violentando
uma criança de 10 anos já tão vulnerável, com a única preocupação de promover o
obscurantismo e a si mesma. Convocou uma manifestação para uma suposta “defesa
da vida” da criança, chamando as pessoas a “se porem de joelhos”. Manifestantes
contra o aborto fizeram um ato, ameaçaram invadir o hospital, acusando os
médicos que fariam o procedimento de “assassinos”. Está claro que ela não
conseguiria esses dados se não houvesse gente na estrutura do Estado
interessada em promover um fato político para atacar ainda mais os direitos das
mulheres, intensificando a propaganda obscurantista antiaborto.
A covardia de se utilizar da
situação tão delicada de uma criança tão vulnerável, manipulando a fé das
pessoas, é parte de uma cruzada fascista mundial antiaborto. É um ataque
covarde e manipulador contra essa criança e contra os direitos das mulheres.
Covarde porque usa da situação de uma criança vulnerável, não leva em
consideração sua vida e não permite o debate; e manipulador porque retira as
questões científicas, de saúde e do direito das mulheres, confunde as pessoas
estimulando a continuação da ignorância.
É hediondo para qualquer mulher
violentada, ter que enfrentar um sistema burocrático semifeudal, que lhe nega o
direito ao seu próprio corpo e que cria todo tipo de obstáculo para que ela
possa realizar a interrupção de uma gestação indesejada de forma segura. A arcaica legislação brasileira sobre a
questão do direito ao aborto, prevê que a mulher tem o direito de interromper a
gestação em somente três casos: 1) estupro; 2) risco de morte para a mãe; 3)
fetos com anencefalia (esse terceiro conquistado há pouquíssimo tempo). No caso
dessa criança, mesmo tendo dois dos requisitos para ter o direito legal de
realizar o procedimento de forma segura e gratuita – ser vítima de estupro e
ter risco de vida na gestação (afinal uma criança de dez anos não tem estrutura
biológica para manter uma gravidez sem risco, mesmo seu órgão reprodutor ainda
está em formação) – um hospital público lhe negou o direito, descumprindo a
decisão judicial. A criança terá ainda que lidar com os traumas, a pressão da
opinião pública e com a condenação de uma falsa moral religiosa.
O Brasil é um dos países mais
atrasados na legislação quanto ao direito da mulher de interromper uma gestação
indesejada. Há, no país, uma posição atrasada, entranhada nas estruturas de
poder do Estado, vinculada a uma propaganda e campanha fundamentalista que quer
impedir qualquer tipo de aborto de forma legal com o discurso de suposta
“defesa da vida”.
A criminalização do aborto no
Brasil cria situações absurdas e despreza a vida das mulheres, e mesmo
crianças, que passam por todo tipo de violência e humilhações. Na maioria dos
casos, as mulheres e mesmo crianças que engravidam em decorrência de estupro
são obrigadas a recorrer a métodos inseguros, com risco de morte, pois há um
impedimento burocrático, proposital, para que elas realizem o procedimento de
interrupção de gravidez. O desespero da corrida contra o tempo não permite
esperar pela “boa vontade” e o “bom senso” de um sistema judiciário que
despreza a mulher como um ser autônomo e capaz de decidir sobre o destino da
sua própria vida e de seu próprio corpo. Na maioria das vezes essas mulheres do
povo vão parar em clínicas clandestinas, inseguras para o procedimento correndo
risco de morte. As ricas quase nunca têm esse problema porque pagam clínicas
bem equipadas.
A falsa “proteção e defesa” das crianças e adolescentes
O caso também revela a hipocrisia
das classes dominantes e seus representantes quando arvoram a “proteção e
defesa” de crianças e adolescentes. A pastora evangélica Damares Regina Alves
(será quem passou os dados para a Sara Winter?), atual ministra “da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos” mandou comitiva do ministério para acompanhar o
casos e aproveitou do fato para fazer a epifania: “então minha luta é conspiração? então não existe estupro de crianças?”.
Aproveitamos aqui para responder: não, senhora Damares, a sua luta não é a luta
pelas crianças vulneráveis e vítimas de violência e estupro. A sua luta é por
manter as mulheres do povo aprisionadas num sistema de capitalismo burocrático,
semifeudal e semicolonial, como aquelas que devem ser excluídas da prática e da
produção social, reduzido seu papel a meras reprodutoras e “rainhas do lar”.
Seu problema é sustentar um governo de generais que em nome da defesa da
“tradição, família e propriedade” desatou e desata a mais feroz repressão
contra as massas populares do nosso país e consideram o estupro coisa
"inevitável" do “desejo de homem”. São os seus compartes os maiores estupradores
desse país, ou você não sabe que grande parte dos seus amigos pastores usam e
abusam da sua autoridade clerical para violentar crianças em todas as partes
desse país? Que os generais que você tanto admira, estupram e engravidam
meninas indígenas e camponesas no campo e as proletárias nas favelas onde
praticam a GLO – Garantia da Lei e da Ordem? Não há nenhuma identidade entre a
sua luta e a luta das mulheres do povo que lutam por sua emancipação como parte
da luta dos explorados, num necessário processo revolucionário de Nova Democracia para sim,
destruir tudo que está aí, incluindo tudo o que você defende.
A violência sexual contra as
mulheres e crianças cresce na proporção em que se apodrece essa sociedade em
que vivemos. Encontramos diariamente em notícias dos monopólios de comunicação
os números escandalosos de violência contra a mulher e crianças, porém nunca
falam sobre o verdadeiro motivo de tanta violência. São incapazes de revelar
que a sustentação dessa violência continuada é expressão da opressão feminina,
que tem por base o trabalho doméstico, tão necessário e base do capitalismo e,
em nosso país, uma das bases de sustentação do capitalismo burocrático. Não podem revelar porque atacariam a si
mesmos. Fingem se preocupar com o problema, porém o sustentam e o reproduzem
todo o tempo.
A criminalização do aborto é parte da violência contra a mulher: causa
sofrimento e mortes.
A criminalização do aborto não
impede que eles ocorram, são 1.250.000 a cada ano. Desta gigantesca cifra
resultam centenas de milhares de mulheres com sequelas terríveis para sua saúde
física e mental além das mulheres que morrem. Igreja, Estado e família, cada um
a seu modo, lançam maldições sobre a mulher. A maioria é resultante da situação
absurda e precária a que as massas trabalhadoras estão submetidas,
particularmente a mulher que muitas vezes não tem à mão os recursos para evitar
a gravidez. E ao final das contas nenhum método contraceptivo é infalível.
Afora a situação de violência, estupro e risco de morte. As mulheres que se
submetem ao aborto, seja por qualquer método, só o fazem porque aquela gravidez
não era de seu livre desejo.
A criminalização significa objetivamente
humilhação, doença, morte e prisão para milhares de mulheres pobres. O velho
Estado brasileiro, este tão propalado “Estado Democrático de Direito” sequer
reconhece o direito da mulher sobre o seu próprio corpo. E ainda mais, essa
democracia burguesa mostra muito bem o que é, transformando em criminosas as
milhões de mulheres que interrompem uma gravidez indesejada e condena centenas
de milhares ao sofrimento de horríveis sequelas em sua saúde e mesmo à morte.
Isto sim um crime monstruoso e hediondo!
A família trabalhadora tem o
direito de decidir quantos filhos quer ter, e cabe à mulher decidir se quer ou
não ser mãe, quando ser e quantos filhos ter. O aborto não pode ser um direito
somente nas condições que estão estabelecidas pelo sistema judiciário no
Brasil.
Em defesa da criança violentada e seu direito de interromper a gestação!
Pela descriminalização do aborto e o direito da mulher ao aborto seguro e gratuito já!
MFP - Movimento Feminino Popular
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