Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas
Nota da Redação de AND: O presente texto é de um grande e importante estudo realizado pelo para proporcionar aos leitores de
AND uma compreensão profunda de como Marx e Engels
formularam sua teoria sempre imersos na prática da luta de classes, que
caminho percorreram e que métodos aplicaram para chegar ao marxismo como
ideologia científica do proletariado. Prática, caminho e método
aplicado por seus continuadores Lenin, Presidente Mao e Presidente
Gonzalo às realidades concretas e particulares de seus respectivos
países e processos revolucionários.
Karl Marx e Friedrich Engels, primeiros chefes do proletariado internacional
dialética da história e constitui um importante ponto de partida para analisarmos a gênese do marxismo. Trata-se, por rigor marxista, ao fim e ao cabo, da relação entre chefes – partido – classes e massas, como posteriormente foi sistematizado pelo camarada Lenin. Como também se trata da relação entre chefatura e pensamento-guia que a sustenta, como estabelecido pelo Presidente Gonzalo.
O que a afirmação de Engels nos mostra é que a ideologia científica do proletariado necessariamente seria sistematizada; pois, na verdade, essa ideologia representa o reflexo necessário, na consciência social, da luta de classes antagônicas entre burguesia e classe operária. Em particular, essa luta de classes se reflete no curso do desenvolvimento do movimento operário e de seu partido revolucionário, o Partido Comunista, como luta de duas linhas. Quando Engels fala em casualidade, quer dizer que não fosse Marx o sistematizador dessa ideologia científica, necessariamente caberia a outro revolucionário proletário essa árdua tarefa.
A Liga dos Comunistas, o Manifesto do Partido, as Revoluções de 1848 e as Lutas de classes em França
Após ter sido expulso da Alemanha, em 1843, pelo governo prussiano e pouco tempo depois, em 1845, da França, Marx, juntamente com Engels e um pequeno grupo de comunistas se instalam em Bruxelas, capital da Bélgica, e lá conformam o chamado Comitê de Enlace, que atuava conjuntamente a outras organizações operárias alemãs e francesas, principalmente.
No início de 1847, Marx e Engels são convidados a ingressar na Liga dos Justos, organização clandestina de operários alemães cuja atuação se dava principalmente no exterior, particularmente em Paris e Londres. A Liga dos Justos, ideologicamente, era influenciada pelo socialismo pequeno-burguês de Proudhon e, do ponto de vista prático, pelas táticas putschistas de Auguste Blanqui, com cujo grupo haviam atuado na rebelião de 1839 em Paris. Marx e Engels, e seu pequeno grupo sediado em Bruxelas, ingressam na Liga dos Justos como uma Fração Vermelha e nos dois Congressos, realizados em 1847, travam uma vitoriosa luta de duas linhas, particularmente contra a influência proudhonista que representava a posição de direita no movimento operário francês.
No início daquele ano, Marx havia publicado Miséria da filosofia, que segundo Lenin é a primeira obra madura do marxismo. Neste importante trabalho, que era uma resposta ao livro Filosofia da miséria de Proudhon, Marx atacava as concepções idealistas da economia política proudhoniana, bem como a sua visão pequeno-burguesa de só ver no proletariado a sua condição miserável de vida; é nesta obra, também, que Marx desenvolve o conceito de antagonismo em sua dialética materialista.
O II Congresso da Liga, realizado no final de 1847, teve duração de mais de dez dias e contou com a direção pessoal do grande Marx, que pôde responder cada uma das dúvidas daqueles militantes operários, explicando assim para aquela vanguarda os princípios do socialismo científico, isto é, os princípios do comunismo. Este Congresso consagra a vitória da Fração Vermelha na Liga e o aplastamento do proudhonismo. O lema da organização, “Todos os homens são irmãos” é substituído pela consigna imortal: Proletários de todos os países, uni-vos!; o nome da organização necessariamente teria que corresponder a este novo programa, assim a Liga dos Justos se transforma na Liga dos Comunistas. Estava fundado, pela primeira vez na história, o Partido Comunista; cuja ideologia deste Partido foi sistematizada no Manifesto do Partido Comunista, publicado pela primeira vez em Londres, no início de fevereiro de 1848. O Manifesto representa o surgimento do marxismo como o pensamento guia do movimento operário europeu e era a sustentação ideológica da condição de chefatura alcançada por Marx no movimento comunista do velho continente. A partir daí a ideologia científica do proletariado passava a se confundir inteiramente com o nome de seu fundador.
E essa ideologia só podia seguir seu desenvolvimento em meio ao aprofundamento da luta de classes na Europa e da luta de duas linhas no Partido Comunista. Em 1848, poucas semanas após a publicação do Manifesto, uma onda de revoluções democrático-burguesas sacudiu toda a Europa, especialmente Paris. A classe operária, como já o fizera antes na Inglaterra e na França, tomou parte ativa nessas insurreições, mas pela primeira vez tinha a seu dispor um pensamento guia. O pensamento de Marx era a expressão ideológica da passagem do proletariado da condição de classe-em-si à de classe-para-si. O Manifesto era o brado do Partido Comunista de conclamação à classe operária para tomar em suas mãos todo o poder político, através da violência revolucionária:
“Os comunistas não se rebaixam a dissimular seus objetivos e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam frente a ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder nela a não ser seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!” (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista).
A Liga dos Comunistas, como única organização comunista na Europa naquele momento, guardava, inevitavelmente, um duplo caráter: ao mesmo tempo em que era uma organização internacional, não apenas de operários alemães, como figurava nas decisões de seu Congresso, na prática, entretanto, era constituída na grande maioria de seus membros e dirigentes por revolucionários alemães, ou de países cuja segunda língua era o alemão. O próprio Manifesto foi impresso em alemão, em 1848, mas sua tradução para uma segunda língua, no caso o inglês, só ocorreu em 1852. O pensamento de Marx, naquele momento, era também conhecido como o “socialismo científico alemão”. Este caráter da Liga dos Comunistas fica patente na atuação da organização durante as revoluções de 1848. A atuação da Liga foi fundamentalmente em território alemão lutando contra o reino da Prússia e o império da Áustria, e por uma revolução democrático-burguesa que unificasse, sobre novas bases, uma Alemanha republicana.
No entanto, em 1848, o palco mais intenso da luta de classes na Europa foi, uma vez mais, a França. Em fevereiro, estoura uma insurreição contra a monarquia da dinastia dos Orleans, que estavam no poder desde 1830. A burguesia francesa, tendo a classe operária armada como seu principal aliado, consegue derrubar o rei Luís Felipe e instaurar a República. Logo após esta nova derrubada da monarquia, a burguesia francesa inicia seus esforços por desarmar o proletariado. O proletariado francês, todavia, dentre toda a classe operária europeia, era o mais experiente em revoluções. Em menos de um século atuara: como força secundária na Grande Revolução de 1789; em seguida, durante o Império Napoleônico atuou como soldado na expansão democrática no início do século XIX; depois, assistiu suas poucas conquistas, alcançadas na revolução burguesa, serem retiradas após a restauração da dinastia dos Bourbons, em 1815; também, o proletariado participara da insurreição de 1830, que pela segunda vez derrubou os Bourbons e mais uma vez viu frustrados seus interesses com a instalação de uma monarquia constitucional. Era esta monarquia constitucional que agora se derrubava, em 1848, mas desta vez o proletariado não se unificava em torno das bandeiras burguesas; de armas em punho desfraldava suas próprias consignas: pelo “direito ao trabalho” e pela “república socialdemocrata”.
O inevitável antagonismo de classes, entre a burguesia e o proletariado, constatado por Marx em 1847, se confirmou em junho do ano seguinte, quando pela primeira vez na história houve um enfrentamento direto, armado e sangrento da classe operária contra a burguesia e sua república. A insurreição operária havia sido derrotada, mas “o sangue não aplasta a revolução, senão que a rega”; as lições de junho de 1848 teriam importantíssimas implicações políticas e táticas para o desenvolvimento do movimento operário e de seu Partido.
“Estávamos todos, precisamente, a dar o salto para Paris e, assim, a nova autoridade central decidiu igualmente dissolver-se, transferir todos os plenos poderes para Marx e mandatá-lo para que constituísse logo em Paris uma nova autoridade central.” (Engels, Para a história da Liga dos Comunistas).
É pelo interesse do proletariado alemão, da pequena burguesia e dos pequenos camponeses, que apoiamos essas demandas com toda a energia possível. Apenas com a realização dessas demandas, os milhões na Alemanha — que sempre foram explorados por um punhado de pessoas e que são aqueles que os exploradores querem que continuem em tal situação — ganharão direitos e chegarão ao poder, que os convoca como produtores de todas as riquezas.
As referidas demandas eram constituídas por um conjunto de 17 proposições políticas que sistematizavam as reivindicações democráticas apresentadas no Manifesto do Partido Comunista. As demandas foram publicadas no dia 24 de março de 1848, em território alemão, poucos dias depois das já referidas insurreições de Berlim (18 de março) e de Viena (13 de março). Essas insurreições representavam o ponto culminante da luta da burguesia alemã contra a base econômica feudal e sua expressão política: a monarquia.
Em Berlim, capital do Reino da Prússia, o levantamento armado é esmagado violentamente, o rei Guilherme IV procura se eximir da responsabilidade do massacre e ordena a retirada das tropas da cidade, que passa a ser controlada por uma milícia civil. Em Viena, a manifestação resultou na demissão do principal ministro do imperador da Áustria, Fernando I. Ao se instalarem em Colônia, Marx e Engels fundam a Nova Gazeta Renana, que se tornou o principal jornal porta-voz da revolução democrática da Alemanha. Ele era o jornal legal da Liga dos Comunistas, que seguia sua atuação na clandestinidade frente às perseguições do Reino da Prússia e do Império Austríaco.
No entanto, logo após a insurreição operária de Paris, em junho de 1848, a burguesia alemã, que já era extremamente vacilante na sua luta contra os senhores feudais e a monarquia, se torna ainda mais temerosa e desconfiada de seu principal aliado, o proletariado. A burguesia renana, que era da região mais avançada industrial e politicamente, capitulou da luta pela direção política do processo revolucionário e cedeu lugar à burguesia de Berlim que, em acordo com o rei da Prússia, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. Essa Assembleia, em 1849, aprovou uma constituição, cuja a principal decisão era o coroamento de Guilherme IV como imperador da Prússia.
A Liga dos Comunistas teve poucas condições de atuar num processo revolucionário que não foi, verdadeiramente, levado a termo. O fato de sua atuação anterior ter se concentrado principalmente no estrangeiro e a dificuldade de uma atuação centralizada nas regiões da Prússia e da Áustria, prejudicaram enormemente a atuação dos comunistas. Em 1849, inicia-se o processo de perseguição reacionária. No mês de maio, a Nova Gazeta é fechada pelo governo prussiano, Marx é novamente preso e expulso da Alemanha. Em 1850, na Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas, Marx apresenta o balanço da revolução democrática alemã:
“Ao passo que os pequeno-burgueses democratas querem pôr fim à revolução o mais depressa possível, realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até que todas as classes mais ou menos possidentes estejam afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários, não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos, estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da transformação da propriedade privada, mas apenas do seu aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de classes, mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade existente, mas de fundar uma nova.”.
O balanço do insucesso da revolução democrática, apoiada pela Liga dos Comunistas, era o balanço da primeira aplicação concreta da tática propugnada no Manifesto do Partido Comunista. A inconsequência da burguesia alemã fora assim resumida por Marx, em dezembro de 1848: “sem fé em si própria, sem fé no povo, resmungando contra os de cima, tremendo perante os de baixo, egoísta para com os dois lados e consciente do seu egoísmo, revolucionária contra os conservadores, conservadora contra os revolucionários”. Ao falar da “revolução em permanência”, Marx antecipava a necessidade, cada vez premente, do proletariado não só apoiar as revoluções democráticas, mas de assumir sua direção como necessidade para que seja levada de maneira consequente. Esse importante aporte ao socialismo científico, parte do balanço de sua direção pessoal na revolução alemã, foi plenamente desenvolvido pelo camarada Lenin durante a Revolução de 1905, já dentro do estágio superior do capitalismo, isto é, o imperialismo, e pelo Presidente Mao como especificação das revoluções democráticas nos países coloniais e semicoloniais.
No entanto, o balanço mais importante feito por Karl Marx das revoluções de 1848 será do processo francês, exatamente por ter sido o mais radical e profundo, no qual se expressaram de maneira mais aguda o antagonismo de classe entre a burguesia e o proletariado. Em suas obras As lutas de classes na França e em O 18 brumário de Luís Bonaparte, Marx analisa, como nenhum outro, a história francesa, especialmente de 1848 até 1851, quando Napoleão III, após ser eleito presidente da França, promove um golpe de Estado e restaura novamente a monarquia, nomeadamente o Segundo Império. Como nos indica Engels na introdução de 1895, será sobretudo em As lutas de classes que Marx avançará no desenvolvimento do socialismo científico. Marx, aplicando a linha de massas, sistematiza a consigna levantada espontaneamente pelo proletariado francês de “direito ao trabalho”:
“No primeiro projeto de Constituição, redigido antes das jornadas de junho, figurava ainda o ‘direito ao trabalho’, esta primeira fórmula, torpemente enunciada, em que se resumem as reivindicações revolucionárias do proletariado. (…) O direito ao trabalho é, no sentido burguês, um contrassenso, um desejo piedoso e infeliz, mas por trás do direito ao trabalho está o poder sobre o capital e, por trás do poder sobre o capital a apropriação dos meios de produção, sua submissão à classe operária associada e, por conseguinte, a abolição tanto do trabalho assalariado como do capital e das suas relações mútuas. Por trás do ‘direito ao trabalho’ estava a insurreição de junho”.
Marx percebe que nessa “ideia dispersa” das massas havia uma grande questão política, por detrás de uma reivindicação “piedosa” estava a solução histórica de qual era o objetivo político do proletariado em sua conquista do Poder. Como bem ressalta Engels, em As lutas de classes, pela primeira vez é proclamada “a fórmula em que unanimemente os partidos operários de todos os países do mundo condensam sua demanda de uma transformação econômica: a apropriação dos meios de produção pela sociedade”. Essa síntese não estava no Manifesto, foi produto da luta de classes e da capacidade de Marx em ir “das massas para as massas”. Foi, também, nesse sentido, que Marx sistematizou a consigna do proletariado francês de “república socialdemocrata”, como sendo a ditadura do proletariado, a única capaz de assegurar a realização da “apropriação dos meios de produção”:
“Este socialismo é a declaração da permanência da revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto necessário de transição para a supressão das diferenças de classe em geral, para a supressão de todas as relações de produção em que repousam tais diferenças, para a supressão de todas as relações sociais que correspondem a estas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que resultam destas relações sociais”. (Karl Marx, As lutas de classes na França de 1848 a 1850).
As revoluções de 1848, particularmente na França e na Alemanha, a partir da direção concreta de Marx na segunda e de seu profundo balanço da primeira, constituem o encerramento de uma fase no processo de conformação do marxismo. Correspondem ao acabamento da formulação do pensamento Marx, que por ele mesmo é assim sistematizado em uma carta, de 5 de março de 1852, a um de seus camaradas, Joseph Weydemeyer, que desde o USA preparava a primeira publicação de O 18 brumário de Luís Bonaparte:
“No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi:
Karl Marx e Friedrich Engels, primeiros chefes do proletariado internacional
A doutrina de Marx é onipotente porque é exata. É completa e harmoniosa, dando aos homens uma concepção integral do mundo, inconciliável com toda a superstição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: da filosofia alemã, da economia política inglesa e do socialismo francês.".
Lenin, As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo
O marxismo consiste em milhares de verdades, que podem todas ser resumidas numa única de que a rebelião se justifica!".
Presidente MaoTsetung, Discurso em Yenan por motivo da celebração do aniversário de Stalin
Em síntese, a ideologia do proletariado, a grande criação de Marx, é a mais alta concepção que se viu e se verá na Terra; é a concepção, é a ideologia científica que pela primeira vez dotou aos homens, à classe (principalmente) e aos povos, de um instrumento teórico e prático para transformar o mundo. E tudo o que ele previra vimos como foi cumprindo-se. O marxismo tem se desenvolvido, deveio em marxismo-leninismo e hoje marxismo-leninismo-maoismo, e vemos como esta ideologia é a única capaz de transformar o mundo, fazer a revolução e de nos levar para a meta irrenunciável: o comunismo.".O grande Friedrich Engels afirmou que o marxismo era uma necessidade histórica e que, por sua vez, Karl Marx era uma casualidade. Essa afirmação abarca uma profunda compreensão materialista
Presidente Gonzalo, A entrevista do século
dialética da história e constitui um importante ponto de partida para analisarmos a gênese do marxismo. Trata-se, por rigor marxista, ao fim e ao cabo, da relação entre chefes – partido – classes e massas, como posteriormente foi sistematizado pelo camarada Lenin. Como também se trata da relação entre chefatura e pensamento-guia que a sustenta, como estabelecido pelo Presidente Gonzalo.
O que a afirmação de Engels nos mostra é que a ideologia científica do proletariado necessariamente seria sistematizada; pois, na verdade, essa ideologia representa o reflexo necessário, na consciência social, da luta de classes antagônicas entre burguesia e classe operária. Em particular, essa luta de classes se reflete no curso do desenvolvimento do movimento operário e de seu partido revolucionário, o Partido Comunista, como luta de duas linhas. Quando Engels fala em casualidade, quer dizer que não fosse Marx o sistematizador dessa ideologia científica, necessariamente caberia a outro revolucionário proletário essa árdua tarefa.
O marxismo como necessidade histórica
O marxismo, portanto, não é produto exclusivo da genialidade desse
titã do proletariado chamado Karl Marx. O marxismo é fundamentalmente o
produto da luta da classe operária contra a burguesia e o capitalismo na
Europa, no final do século XVIII e início do século XIX. O marxismo é,
também, produto da luta de duas linhas que se deu na direção do
movimento operário europeu e do Partido Comunista à época. E ao
indivíduo Karl Marx, só lhe foi possível sistematizar essa ideologia,
não só por desde cedo se vincular ao movimento operário, mas por ter
sido o fundador do Partido Comunista, que em árdua luta de duas linhas
derrotou, ao longo dos anos, as posições pequeno-burguesas e utópicas de
Proudhon e Blanqui, a posição anarquista, pseudo-científica de Bakunin e
a influência reformista de Lassale na socialdemocracia alemã.
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Gravura: Marx discursa em sessão plenária da I Internacional
A luta de classes não foi apenas o impulso inicial da ideologia
científica, o pensamento de Marx se desenvolveu, se completou, se
transformou em Marxismo, porque sempre esteve fundido na prática à luta e
a todas as vicissitudes da classe operária. Como parte da genialidade
de Marx está o seu manejo da Linha de Massas, verdadeiro selo de classe
em sua teoria do conhecimento. Marx soube sistematizar as ideias
dispersas do proletariado europeu, soube ver por detrás de suas
consignas espontâneas a solução histórica para os desafios estratégicos
da revolução proletária.Gravura: Marx discursa em sessão plenária da I Internacional
A Liga dos Comunistas, o Manifesto do Partido, as Revoluções de 1848 e as Lutas de classes em França
Após ter sido expulso da Alemanha, em 1843, pelo governo prussiano e pouco tempo depois, em 1845, da França, Marx, juntamente com Engels e um pequeno grupo de comunistas se instalam em Bruxelas, capital da Bélgica, e lá conformam o chamado Comitê de Enlace, que atuava conjuntamente a outras organizações operárias alemãs e francesas, principalmente.
No início de 1847, Marx e Engels são convidados a ingressar na Liga dos Justos, organização clandestina de operários alemães cuja atuação se dava principalmente no exterior, particularmente em Paris e Londres. A Liga dos Justos, ideologicamente, era influenciada pelo socialismo pequeno-burguês de Proudhon e, do ponto de vista prático, pelas táticas putschistas de Auguste Blanqui, com cujo grupo haviam atuado na rebelião de 1839 em Paris. Marx e Engels, e seu pequeno grupo sediado em Bruxelas, ingressam na Liga dos Justos como uma Fração Vermelha e nos dois Congressos, realizados em 1847, travam uma vitoriosa luta de duas linhas, particularmente contra a influência proudhonista que representava a posição de direita no movimento operário francês.
No início daquele ano, Marx havia publicado Miséria da filosofia, que segundo Lenin é a primeira obra madura do marxismo. Neste importante trabalho, que era uma resposta ao livro Filosofia da miséria de Proudhon, Marx atacava as concepções idealistas da economia política proudhoniana, bem como a sua visão pequeno-burguesa de só ver no proletariado a sua condição miserável de vida; é nesta obra, também, que Marx desenvolve o conceito de antagonismo em sua dialética materialista.
O II Congresso da Liga, realizado no final de 1847, teve duração de mais de dez dias e contou com a direção pessoal do grande Marx, que pôde responder cada uma das dúvidas daqueles militantes operários, explicando assim para aquela vanguarda os princípios do socialismo científico, isto é, os princípios do comunismo. Este Congresso consagra a vitória da Fração Vermelha na Liga e o aplastamento do proudhonismo. O lema da organização, “Todos os homens são irmãos” é substituído pela consigna imortal: Proletários de todos os países, uni-vos!; o nome da organização necessariamente teria que corresponder a este novo programa, assim a Liga dos Justos se transforma na Liga dos Comunistas. Estava fundado, pela primeira vez na história, o Partido Comunista; cuja ideologia deste Partido foi sistematizada no Manifesto do Partido Comunista, publicado pela primeira vez em Londres, no início de fevereiro de 1848. O Manifesto representa o surgimento do marxismo como o pensamento guia do movimento operário europeu e era a sustentação ideológica da condição de chefatura alcançada por Marx no movimento comunista do velho continente. A partir daí a ideologia científica do proletariado passava a se confundir inteiramente com o nome de seu fundador.
E essa ideologia só podia seguir seu desenvolvimento em meio ao aprofundamento da luta de classes na Europa e da luta de duas linhas no Partido Comunista. Em 1848, poucas semanas após a publicação do Manifesto, uma onda de revoluções democrático-burguesas sacudiu toda a Europa, especialmente Paris. A classe operária, como já o fizera antes na Inglaterra e na França, tomou parte ativa nessas insurreições, mas pela primeira vez tinha a seu dispor um pensamento guia. O pensamento de Marx era a expressão ideológica da passagem do proletariado da condição de classe-em-si à de classe-para-si. O Manifesto era o brado do Partido Comunista de conclamação à classe operária para tomar em suas mãos todo o poder político, através da violência revolucionária:
“Os comunistas não se rebaixam a dissimular seus objetivos e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam frente a ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder nela a não ser seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!” (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista).
A Liga dos Comunistas, como única organização comunista na Europa naquele momento, guardava, inevitavelmente, um duplo caráter: ao mesmo tempo em que era uma organização internacional, não apenas de operários alemães, como figurava nas decisões de seu Congresso, na prática, entretanto, era constituída na grande maioria de seus membros e dirigentes por revolucionários alemães, ou de países cuja segunda língua era o alemão. O próprio Manifesto foi impresso em alemão, em 1848, mas sua tradução para uma segunda língua, no caso o inglês, só ocorreu em 1852. O pensamento de Marx, naquele momento, era também conhecido como o “socialismo científico alemão”. Este caráter da Liga dos Comunistas fica patente na atuação da organização durante as revoluções de 1848. A atuação da Liga foi fundamentalmente em território alemão lutando contra o reino da Prússia e o império da Áustria, e por uma revolução democrático-burguesa que unificasse, sobre novas bases, uma Alemanha republicana.
No entanto, em 1848, o palco mais intenso da luta de classes na Europa foi, uma vez mais, a França. Em fevereiro, estoura uma insurreição contra a monarquia da dinastia dos Orleans, que estavam no poder desde 1830. A burguesia francesa, tendo a classe operária armada como seu principal aliado, consegue derrubar o rei Luís Felipe e instaurar a República. Logo após esta nova derrubada da monarquia, a burguesia francesa inicia seus esforços por desarmar o proletariado. O proletariado francês, todavia, dentre toda a classe operária europeia, era o mais experiente em revoluções. Em menos de um século atuara: como força secundária na Grande Revolução de 1789; em seguida, durante o Império Napoleônico atuou como soldado na expansão democrática no início do século XIX; depois, assistiu suas poucas conquistas, alcançadas na revolução burguesa, serem retiradas após a restauração da dinastia dos Bourbons, em 1815; também, o proletariado participara da insurreição de 1830, que pela segunda vez derrubou os Bourbons e mais uma vez viu frustrados seus interesses com a instalação de uma monarquia constitucional. Era esta monarquia constitucional que agora se derrubava, em 1848, mas desta vez o proletariado não se unificava em torno das bandeiras burguesas; de armas em punho desfraldava suas próprias consignas: pelo “direito ao trabalho” e pela “república socialdemocrata”.
O inevitável antagonismo de classes, entre a burguesia e o proletariado, constatado por Marx em 1847, se confirmou em junho do ano seguinte, quando pela primeira vez na história houve um enfrentamento direto, armado e sangrento da classe operária contra a burguesia e sua república. A insurreição operária havia sido derrotada, mas “o sangue não aplasta a revolução, senão que a rega”; as lições de junho de 1848 teriam importantíssimas implicações políticas e táticas para o desenvolvimento do movimento operário e de seu Partido.
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O trabalho de Karl Marx dotou o proletariado da ideologia científica
Assim que estoura a revolução de fevereiro, na França, Marx é expulso
da Bélgica e se dirige a Paris revolucionária, de onde também é
“convidado” a se retirar - e dessa vez o “convite” foi feito pelo novo
governo burguês. O governo da revolução de fevereiro estava custeando a
viagem do máximo possível de operários alemães e mesmo de outras
nacionalidades para atravessarem as fronteiras francesas em direção aos
territórios dominados pela Prússia e pela Áustria. A justificativa era o
apoio à revolução burguesa, também em curso nos territórios prussiano e
austríaco, que em março de 1848 assistiram grandiosas insurreições
populares em Berlim e Viena. O real objetivo, entretanto, do governo
burguês parisiense era “limpar” o máximo possível a cidade de
revolucionários. No entanto, tornara-se importante objetivo político
para Liga dos Comunistas dirigir-se à Alemanha pois, mirava assim,
intervir diretamente no curso da revolução democrático-burguesa alemã.
Ainda na Bélgica, frente aos tumultuosos acontecimentos em todo o
continente, a direção da Liga toma uma importantíssima decisão:O trabalho de Karl Marx dotou o proletariado da ideologia científica
“Estávamos todos, precisamente, a dar o salto para Paris e, assim, a nova autoridade central decidiu igualmente dissolver-se, transferir todos os plenos poderes para Marx e mandatá-lo para que constituísse logo em Paris uma nova autoridade central.” (Engels, Para a história da Liga dos Comunistas).
O pensamento de Marx era a expressão ideológica da passagem do proletariado da condição de classe-em-si à de classe-para-si
Essa decisão da autoridade central da Liga dos Comunistas era o
reconhecimento e a defesa da condição de chefatura de Karl Marx. Foi uma
grande decisão, pois, mais do que nunca, os momentos de auge
revolucionário exigem a centralização absoluta da direção
revolucionária. A implicação imediata do reconhecimento da condição de
chefatura de Marx foi a resolução tomada por ele, de que a Liga não
deveria participar dos corpos “revolucionários”, organizados pelo
governo burguês da França, que pretendiam invadir a Alemanha e assim
impor a instalação de uma república democrática. Marx antevira o
fracasso de tal estratégia que conduziria em última instância ao
fortalecimento das monarquias prussiana e austríaca. A deliberação de
Marx foi de que os membros da Liga deveriam cruzar imediatamente as
fronteiras alemãs e desde lá apoiassem e participassem do processo
revolucionário em curso, colocando em prática a tática política exposta
no Manifesto quanto à atuação dos comunistas nas
revoluções democrático-burguesas. Dessa maneira, Marx e Engels se
dirigem para os territórios alemães e se instalam em Colônia, principal
cidade da província Renana. A chegada da direção e da chefatura da Liga
dos Comunistas a Colônia foi acompanhada pela publicação das Demandas do Partido Comunista na Alemanha, na qual se podia ler:É pelo interesse do proletariado alemão, da pequena burguesia e dos pequenos camponeses, que apoiamos essas demandas com toda a energia possível. Apenas com a realização dessas demandas, os milhões na Alemanha — que sempre foram explorados por um punhado de pessoas e que são aqueles que os exploradores querem que continuem em tal situação — ganharão direitos e chegarão ao poder, que os convoca como produtores de todas as riquezas.
As referidas demandas eram constituídas por um conjunto de 17 proposições políticas que sistematizavam as reivindicações democráticas apresentadas no Manifesto do Partido Comunista. As demandas foram publicadas no dia 24 de março de 1848, em território alemão, poucos dias depois das já referidas insurreições de Berlim (18 de março) e de Viena (13 de março). Essas insurreições representavam o ponto culminante da luta da burguesia alemã contra a base econômica feudal e sua expressão política: a monarquia.
Em Berlim, capital do Reino da Prússia, o levantamento armado é esmagado violentamente, o rei Guilherme IV procura se eximir da responsabilidade do massacre e ordena a retirada das tropas da cidade, que passa a ser controlada por uma milícia civil. Em Viena, a manifestação resultou na demissão do principal ministro do imperador da Áustria, Fernando I. Ao se instalarem em Colônia, Marx e Engels fundam a Nova Gazeta Renana, que se tornou o principal jornal porta-voz da revolução democrática da Alemanha. Ele era o jornal legal da Liga dos Comunistas, que seguia sua atuação na clandestinidade frente às perseguições do Reino da Prússia e do Império Austríaco.
No entanto, logo após a insurreição operária de Paris, em junho de 1848, a burguesia alemã, que já era extremamente vacilante na sua luta contra os senhores feudais e a monarquia, se torna ainda mais temerosa e desconfiada de seu principal aliado, o proletariado. A burguesia renana, que era da região mais avançada industrial e politicamente, capitulou da luta pela direção política do processo revolucionário e cedeu lugar à burguesia de Berlim que, em acordo com o rei da Prússia, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. Essa Assembleia, em 1849, aprovou uma constituição, cuja a principal decisão era o coroamento de Guilherme IV como imperador da Prússia.
A Liga dos Comunistas teve poucas condições de atuar num processo revolucionário que não foi, verdadeiramente, levado a termo. O fato de sua atuação anterior ter se concentrado principalmente no estrangeiro e a dificuldade de uma atuação centralizada nas regiões da Prússia e da Áustria, prejudicaram enormemente a atuação dos comunistas. Em 1849, inicia-se o processo de perseguição reacionária. No mês de maio, a Nova Gazeta é fechada pelo governo prussiano, Marx é novamente preso e expulso da Alemanha. Em 1850, na Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas, Marx apresenta o balanço da revolução democrática alemã:
“Ao passo que os pequeno-burgueses democratas querem pôr fim à revolução o mais depressa possível, realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até que todas as classes mais ou menos possidentes estejam afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários, não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos, estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da transformação da propriedade privada, mas apenas do seu aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de classes, mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade existente, mas de fundar uma nova.”.
O balanço do insucesso da revolução democrática, apoiada pela Liga dos Comunistas, era o balanço da primeira aplicação concreta da tática propugnada no Manifesto do Partido Comunista. A inconsequência da burguesia alemã fora assim resumida por Marx, em dezembro de 1848: “sem fé em si própria, sem fé no povo, resmungando contra os de cima, tremendo perante os de baixo, egoísta para com os dois lados e consciente do seu egoísmo, revolucionária contra os conservadores, conservadora contra os revolucionários”. Ao falar da “revolução em permanência”, Marx antecipava a necessidade, cada vez premente, do proletariado não só apoiar as revoluções democráticas, mas de assumir sua direção como necessidade para que seja levada de maneira consequente. Esse importante aporte ao socialismo científico, parte do balanço de sua direção pessoal na revolução alemã, foi plenamente desenvolvido pelo camarada Lenin durante a Revolução de 1905, já dentro do estágio superior do capitalismo, isto é, o imperialismo, e pelo Presidente Mao como especificação das revoluções democráticas nos países coloniais e semicoloniais.
No entanto, o balanço mais importante feito por Karl Marx das revoluções de 1848 será do processo francês, exatamente por ter sido o mais radical e profundo, no qual se expressaram de maneira mais aguda o antagonismo de classe entre a burguesia e o proletariado. Em suas obras As lutas de classes na França e em O 18 brumário de Luís Bonaparte, Marx analisa, como nenhum outro, a história francesa, especialmente de 1848 até 1851, quando Napoleão III, após ser eleito presidente da França, promove um golpe de Estado e restaura novamente a monarquia, nomeadamente o Segundo Império. Como nos indica Engels na introdução de 1895, será sobretudo em As lutas de classes que Marx avançará no desenvolvimento do socialismo científico. Marx, aplicando a linha de massas, sistematiza a consigna levantada espontaneamente pelo proletariado francês de “direito ao trabalho”:
“No primeiro projeto de Constituição, redigido antes das jornadas de junho, figurava ainda o ‘direito ao trabalho’, esta primeira fórmula, torpemente enunciada, em que se resumem as reivindicações revolucionárias do proletariado. (…) O direito ao trabalho é, no sentido burguês, um contrassenso, um desejo piedoso e infeliz, mas por trás do direito ao trabalho está o poder sobre o capital e, por trás do poder sobre o capital a apropriação dos meios de produção, sua submissão à classe operária associada e, por conseguinte, a abolição tanto do trabalho assalariado como do capital e das suas relações mútuas. Por trás do ‘direito ao trabalho’ estava a insurreição de junho”.
Marx percebe que nessa “ideia dispersa” das massas havia uma grande questão política, por detrás de uma reivindicação “piedosa” estava a solução histórica de qual era o objetivo político do proletariado em sua conquista do Poder. Como bem ressalta Engels, em As lutas de classes, pela primeira vez é proclamada “a fórmula em que unanimemente os partidos operários de todos os países do mundo condensam sua demanda de uma transformação econômica: a apropriação dos meios de produção pela sociedade”. Essa síntese não estava no Manifesto, foi produto da luta de classes e da capacidade de Marx em ir “das massas para as massas”. Foi, também, nesse sentido, que Marx sistematizou a consigna do proletariado francês de “república socialdemocrata”, como sendo a ditadura do proletariado, a única capaz de assegurar a realização da “apropriação dos meios de produção”:
“Este socialismo é a declaração da permanência da revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto necessário de transição para a supressão das diferenças de classe em geral, para a supressão de todas as relações de produção em que repousam tais diferenças, para a supressão de todas as relações sociais que correspondem a estas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que resultam destas relações sociais”. (Karl Marx, As lutas de classes na França de 1848 a 1850).
As revoluções de 1848, particularmente na França e na Alemanha, a partir da direção concreta de Marx na segunda e de seu profundo balanço da primeira, constituem o encerramento de uma fase no processo de conformação do marxismo. Correspondem ao acabamento da formulação do pensamento Marx, que por ele mesmo é assim sistematizado em uma carta, de 5 de março de 1852, a um de seus camaradas, Joseph Weydemeyer, que desde o USA preparava a primeira publicação de O 18 brumário de Luís Bonaparte:
“No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi:
- demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção;
- que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado;
- que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes.”.
Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas (continuação)
O grandioso trabalho teórico de Karl Marx sempre foi voltado à sua aplicação pelas massas
Logo após as derrotas dos processos revolucionários, de 1848, abre-se na direção da Liga dos Comunistas uma importante luta de duas linhas. Se, por um lado, o proudhonismo e suas “soluções não antagônicas” havia sofrido uma importante derrota – ou um “golpe mortal”, como afirma Lenin –. por outro lado, as posições blanquistas seguiam influenciando os operários veteranos, oriundos da Liga dos Justos.
O golpe de Napoleão III e a restauração do Império na França, tal como o coroamento como imperador de Guilherme IV pela Assembleia Constituinte na Prússia, eram a expressão política da entrada de um período econômico de prosperidade e crescimento do capitalismo. Marx e Engels corretamente analisaram essa situação concluindo que “uma nova revolução só é possível como consequência de uma nova crise. Mas é tão segura como esta”. No entanto, a tática pequeno-burguesa do blanquismo, que apregoava a revolução como um golpe de uma minoria esclarecida (como a tomada de um prédio público ou de um palácio) desconsiderava completamente a análise econômica e política feita por Marx, e defendia que a tarefa do dia seguia sendo preparar para já novas insurreições. Dentro da Liga dos Comunistas, Karl Schapper encabeçou a defesa das posições blanquistas e provocou a divisão. Por outro lado, como mais uma expressão do processo de reacionarização e refreamento da situação revolucionária, tem-se a prisão de 12 militantes da Liga dos Comunistas e seus julgamentos, o que ficou internacionalmente conhecido como “Processo de Colônia”. O governo prussiano acusava estes 12 revolucionários por “alta traição”; oito deles foram condenados à prisão e quatro absolvidos.
Após o processo de Colônia, a Liga dos Comunistas é dissolvida e poucos meses depois a linha divisionista desaparecia. Segundo Engels, encerrava-se então “o primeiro período do movimento operário comunista na Alemanha”. Iniciava-se, por sua vez, a gestação de novas e mais elevadas revoluções; iniciava-se a gestação de um novo salto dentro da ideologia proletária, do salto que transformaria o pensamento Marx, guia da revolução proletária na Europa, no marxismo, ideologia universal do proletariado. A partir de 1849, Marx e Engels instalam-se na Inglaterra e retomam, num esforço concentrado e disciplinado, os seus estudos teóricos, particularmente da economia política burguesa.
Estando em Londres, e tendo às mãos uma vasta bibliografia, na Biblioteca do Museu Londrino, contando com o imprescindível suporte logístico de Engels, Marx pôde elaborar de maneira sistemática a teoria que representa o maior salto científico e ideológico em toda a história da humanidade. Após dez anos de árduo trabalho contínuo, nunca solitário – pois a residência dos Marx sempre foi uma espécie de sede do Partido Comunista para onde regularmente se dirigiam revolucionários e exilados políticos de todo o mundo – finalmente Marx pôde apresentar à classe um primeiro resultado de suas investigações. Trata-se da Contribuição para a crítica da economia política, publicado em 1859. O aspecto mais importante dessa obra é a aplicação extremamente precisa do materialismo dialético ao estudo da história e à descoberta das leis gerais que explicam o desenvolvimento da sociedade de classes, da contradição entre sua base econômica e sua superestrutura. Trata-se, portanto, de uma obra de profundo significado filosófico, no qual se estabelece em termos científicos e universais a teoria da luta de classes marxista.
No prólogo desta obra, Marx faz uma das mais brilhantes sistematizações de suas recentes descobertas:
“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção.”.
Esses resultados teóricos alcançados por Marx ampliaram, imensamente, a significação universal de seu pensamento. A sua conclusão de que a história da sociedade é a história da luta de classes, encontrou ali uma demonstração completa, o que correspondia à sua generalização. A luta de classes é o motor da história, pois está nela a solução da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. No entanto, esse resultado, apesar de gigantesco, era ainda o início do salto de qualidade na ideologia científica do proletariado. Não bastava a explicação geral do desenvolvimento da história da humanidade, era necessário a descoberta da lei que rege o desenvolvimento e a crise da sociedade capitalista, demonstrando assim porque a luta de classes sob o regime capitalista conduz “necessariamente à ditadura do proletariado”. Como o próprio Marx afirma, no prefácio a O capital: “O objetivo final desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna”. A descoberta dessa lei que completa suas descobertas na filosofia – o materialismo dialético e o materialismo histórico – e quanto ao pensamento socialista – com o socialismo científico, o comunismo – consiste na transformação do pensamento Marx em Marxismo.
A economia política de Marx
Lenin, em sua magnífica síntese do marxismo – o pequeno artigo Karl Marx*,
afirma que o essencial na ideologia proletária é a sua doutrina
econômica. Nesse texto, Lenin nos mostra que a lei econômica, descoberta
por Marx, que explica o surgimento, o desenvolvimento e o fim da
sociedade capitalista é a lei do valor e sua necessária decorrência: a
mais-valia.
Do ponto de vista ideológico, O Capital era a afirmação definitiva de que o marxismo era o único socialismo científico
Em O capital, Marx inicia a explicação do
funcionamento dessa lei a partir da mercadoria que é o elemento
dominante da sociedade capitalista. A mercadoria é, em primeiro lugar,
uma coisa que satisfaz uma necessidade qualquer do homem e, em segundo
lugar, uma coisa que pode ser trocada por outra. A utilidade faz da
mercadoria um valor de uso, já o valor de troca
(ou simplesmente o valor) é, primeiramente, a relação proporcional que
se estabelece na troca de um valor de uso por outro. O que permite que
uma mercadoria possa ser trocada por outra é o fato de ambas serem
produtos do trabalho, no entanto, o que há de comum nessas mercadorias
não é o trabalho concreto de um determinado ramo de produção, mas o
trabalho abstrato, o trabalho em geral. Cada mercadoria considerada
isoladamente representa uma parte do tempo de trabalho socialmente necessário;
o valor de uma mercadoria, portanto, é o tempo de trabalho socialmente
necessário para sua produção. Esse valor, entretanto, não pode ser
medido de outra maneira que não seja na equiparação com outra
mercadoria, por isso o valor de troca é a forma do valor. Ao longo do
surgimento da sociedade capitalista, a forma do valor foi evoluindo de
sua forma fortuita (quando uma mercadoria é trocada por outra
ocasionalmente) para a forma geral do valor (quando, a partir da
intensificação do processo de troca, se estabelece uma determinada
mercadoria como o equivalente geral desse processo), até chegar à forma
dinheiro do valor. Marx demonstra, então, que o dinheiro, como forma
suprema do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias,
encobre e dissimula o caráter social dos trabalhos parciais.Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias (M – D – M), isto é, a produção de mercadorias para a compra de outras, é substituída pela fórmula geral do capital (D – M – D’), ou seja, a compra para a venda com lucro. Esse acréscimo do valor primitivo posto em circulação é o que Marx chama de mais-valia. É precisamente esse acréscimo de valor que transforma o dinheiro em capital. No entanto, esse acréscimo de valor não poderia surgir da circulação de mercadorias, porque a troca só é possível entre valores equivalentes. Para obter a mais-valia “seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo o valor de uso fosse dotado de propriedade singular de ser fonte de valor”, aponta Marx, em O capital. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana, cujo o valor, como de qualquer outra mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção (isto é, pelo custo de manutenção do operário e da sua família). O possuidor do dinheiro compra, por exemplo, a força de trabalho por 8 horas, mas em 4 horas (tempo de trabalho necessário) o operário cria um produto que cobre as despesas de sua manutenção e, durante as outras 4 horas (tempo de trabalho suplementar) o operário cria um sobreproduto não retribuído pelo capitalista, que constitui a mais-valia. Do ponto de vista do processo de produção, o capital deve ser distinguido em duas partes: o capital constante, investido nos meios de produção (instalações, máquinas, instrumentos, matéria-prima etc); e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho. A taxa de mais-valia, entretanto, deve ser calculada pela relação entre o capital variável e a mais-valia produzida, que no exemplo acima seria de 100%.
O aumento da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta) e a redução do tempo de trabalho necessário (mais-valia relativa). Na sua análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas históricas fundamentais do processo de intensificação da produtividade do trabalho pelo capitalismo: 1) cooperação simples; 2) divisão do trabalho e manufatura; 3) as máquinas e a grande indústria. Marx analisa também o processo de acumulação do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx demonstrou o erro de toda a economia política clássica burguesa, que considerava que todo o novo valor gerado no processo produtivo se convertia em capital e passava a fazer parte do capital variável. Na realidade, a mais-valia obtida se decompõe em meios de produção e capital variável. O crescimento mais rápido do capital constante em relação ao capital variável (resultante da necessidade do incremento contínuo da mecanização para aumento da produtividade) tem uma importância primordial para a explicação das crises cíclicas do capitalismo, e preparação das condições de sua substituição pelo comunismo.
A lei do valor, e sua especificação na sociedade capitalista, isto é, a mais-valia, é a base para toda a explicação dos diferentes fenômenos do capitalismo, desde a renda da terra até à tendência decrescente da taxa de lucro. A descoberta desta lei, além de representar a primeira análise completa, verdadeiramente científica, do modo de produção capitalista – análise essa que só poderia ser feita pelo proletariado revolucionário –, do ponto de vista ideológico, representa, com O capital, um pleno desenvolvimento da filosofia marxista, o materialismo dialético, aplicado ao estudo não apenas do surgimento, desenvolvimento e das crises do capitalismo, mas, sobretudo, de sua superação. A grande demonstração científica que o marxismo alcança nesse ponto culminante é de que a revolução proletária não é uma possibilidade abstrata, mas sim, uma necessidade histórica. Do alto da colina da revolução, contemplando séculos mil, Karl Marx proclama aos operários e povos oprimidos do mundo:
“O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. O invólucro rompe-se. Soa a hora final da propriedade privada. Os expropriadores serão expropriados.”.
A Primeira Internacional e a luta de duas linhas
A demonstração científica de que das entranhas da velha sociedade
capitalista se gesta inevitavelmente a sociedade comunista, e de que “a
violência é a parteira da história”, só poderia ser alcançada em meio ao
desenvolvimento da luta de classes e da luta de duas linhas no
movimento operário e comunista. Somente o podre revisionismo e o
academicismo burguês podem apresentar esta obra como um trabalho de
gabinete ou apenas de uma mente brilhante de um indivíduo. O capital
foi publicado em 1867, três anos após a fundação da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT), fundação essa que corresponde à
constituição do Partido Comunista Mundial do proletariado, em um período
de expansão das ideias do comunismo, que ultrapassavam pela primeira
vez os limites da Europa. A AIT representou um importante
desenvolvimento na concepção de partido do proletariado. Diferentemente
da Liga dos Comunistas, aqui já há uma importante delimitação da
organização internacional dos operários e de suas organizações
nacionais, no primeiro capítulo de seus estatutos pode-se ler:
A fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores
correspondeu à constituição do Partido Comunista Mundial do
proletariado
“Esta Associação é fundada no intuito de estabelecer um centro de
comunicação e de cooperação entre as Sociedades Operárias existentes em
diferentes países e voltadas para o mesmo objetivo, ou seja, a proteção,
o progresso e a completa emancipação da classe operária.”.Nesse sentido, a própria conformação da AIT era produto do desenvolvimento da luta da classe operária, durante o período após as revoluções de 1848, que foi o período caracterizado por Marx de gestação de novas revoluções. E, de fato, a fundação da AIT foi a correspondência necessária ao amadurecimento das condições objetivas para um novo auge revolucionário na Europa. A guerra austro-prussiana, de 1866, e franco-prussiana de 1870, seriam importantes prenúncios de grandiosos acontecimentos no movimento operário europeu.
A AIT é fundada em Londres, durante um comício de operários, em setembro de 1864. Nessa grande assembleia é eleita uma direção da Internacional e uma comissão é encarregada de redigir os estatutos e uma Mensagem inaugural, cujas versões aprovadas pela direção da AIT foram escritas pelo próprio Marx. Em seus congressos anuais, a AIT foi fortalecendo e expandindo-se como organização. Para que uma Sociedade Operária ingressasse na AIT era necessário a análise e aprovação de seus estatutos pelo Conselho Geral da AIT. Avançava-se, assim, de maneira progressiva para a concepção do centralismo democrático.
Durante os seus anos de existência (1864 à 1872), a principal luta de duas linhas na AIT se deu contra as posições pequeno-burguesas de Bakunin. Bakunin era um militante anarquista russo, que embora não tivesse uma base de massas e de organização concreta, com seu ecletismo teórico, servia de porta-voz das posições oportunistas de direita e de “esquerda” dentro da Internacional. De uma maneira geral, a posição de Bakunin era uma mescla do socialismo de Proudhon, da tática de Blanqui e de posições reformistas burguesas. Antes de ingressar na AIT, Bakunin fora dirigente da organização pacifista suíça Liga da Paz e da Liberdade. Depois de se ter derrotada a sua posição de fusão desta Liga com a Internacional – diante da recusa unânime da AIT – Bakunin solicita ingresso na Internacional, que se efetiva em 1868. Desde sua incorporação, Bakunin inicia um trabalho fracionista, atacando o Conselho Geral da AIT, particularmente a direção de Marx, acusando-o de autoritarismo. Bakunin sempre teve uma postura dúbia e desleal na luta interna, que durou quatro anos. As suas posições eram as seguintes: a abstenção do movimento político; negava o papel dirigente do proletariado, defendendo a principalidade da pequena-burguesia e do lumpesinato; defendia a “igualdade econômica e social entre as classes” e propunha a substituição da consigna de apropriação dos meios de produção pelo “fim do direito à herança”. Com essa plataforma reformista e “esquerdista”, típica da pequena-burguesia, Bakunin passou a servir como ponto de unidade tanto dos reformistas ingleses como Hales, como de nacional-socialistas como Mazzini da Itália, todos unificados em torno da consigna de autonomia para cada sessão nacional, numa flagrante resistência ao desenvolvimento do centralismo democrático proletário.
A posição de Bakunin foi fragorosamente derrotada no Congresso de Haia, em 1872, que aprovou o fortalecimento do Conselho Geral e ao mesmo tempo a expulsão de Bakunin da AIT. Essa foi uma importante vitória política do marxismo, que contou mais uma vez com a direção pessoal de Marx.
Marxismo triunfa no movimento operário
A luta de duas linhas contra Bakunin, na verdade, era a expressão da
luta ideológica final do marxismo contra todas as variantes do
socialismo utópico pequeno-burguês, que ainda eram predominantes na
Europa. Do ponto de vista ideológico, O capital de Marx
era a afirmação definitiva de que o marxismo era o único socialismo
verdadeiramente científico. Do ponto de vista prático, a Comuna de Paris
representou a derrota decisiva do anarquismo e do socialismo utópico,
ou como sistematiza Lenin, em Marxismo e revisionismo:“O marxismo triunfa incondicionalmente sobre todas as outras ideologias do movimento operário.”.
Banco de dados AND
A condição da chefatura de Marx foi reconhecida pelo seu camarada, Friedrich Engels
A Comuna de Paris foi o maior feito do proletariado internacional no
século XIX. Como corretamente aponta o Presidente Gonzalo, é o marco
indelével do início da Revolução Proletária Mundial, de sua primeira
Grande Onda. Após a derrota da insurreição de junho de 1848, o
proletariado francês uma vez mais confrontava de armas nas mãos a
burguesia republicana, mas dessa vez a classe operária saiu vencedora.
Entretanto, essa não foi uma tomada de poder planejada, ou dirigida por
uma Sociedade Operária, vinculada à AIT. Em 1870, Napoleão III inicia
sua guerra contra o Império da Prússia, a campanha francesa, no entanto,
foi um fracasso e o próprio Napoleão foi aprisionado pelo Exército
prussiano. Ato contínuo, a burguesia francesa toma o poder e instaura
novamente a República. O Império prussiano impõe um duríssimo cerco à
Paris, que se rende às tropas prussianas em janeiro de 1871. A maior
parte do exército francês estava aprisionada pelo Império prussiano,
apesar disso, o governo burguês, instalado em Versalhes, no dia 18 de
março, envia tropas leais para desarmar a Guarda Nacional que havia
resistido ao cerco prussiano em Paris. As tropas governamentais são
derrotadas e a Guarda Nacional toma o poder na capital francesa. No dia
28 de março foi proclamada a Comuna de Paris – tremulava não mais a
bandeira tricolor da França burguesa, mas a bandeira vermelha do
proletariado.A condição da chefatura de Marx foi reconhecida pelo seu camarada, Friedrich Engels
Os membros da Comuna estavam divididos em dois grupos: o maior – que havia sido também a maioria no Comitê Central da Guarda Nacional – conformado por blanquistas, e o menor por membros da AIT. Dentre os membros da AIT, a maioria era composta por proudhonistas e apenas uma pequena parte de comunistas. Do ponto de vista político os erros e acertos se devem às posições blanquistas; do ponto de vista econômico a responsabilidade pelas principais medidas é das posições proudhonistas. Como faz ressaltar Engels, nos dois casos a prática contrariou as concepções doutrinárias dessas duas escolas. O blanquismo, que defendia uma república com uma ditadura absolutista, conclamou toda a França a constituir uma federação de Comunas livres. Os proudhonistas, defensores da autogestão artesanal de cada unidade de produção por um pequeno comitê operário, aprovaram a criação duma organização para a grande indústria e inclusive para a manufatura, que não se baseava só na associação de operários dentro de cada fábrica, senão que devia também unificar todas as associações em uma grande União. A Comuna sobreviveu por dois meses ao cerco da burguesia francesa, que agora, com o apoio do recém-criado Império Alemão, bombardeou e derrotou a Paris proletária.
A luta de duas linhas contra Bakunin era, na verdade,
expressão da luta ideológica final do marxismo contra as variantes do
socialismo utópico pequeno-burguês
A Comuna de Paris comprovou historicamente o balanço marxista das
revoluções de 1848. Ao proletariado não basta derrubar a burguesia do
poder, faz-se necessário erigir um novo poder estatal sobre as cinzas do
Estado da burguesia destronada do poder. A revolução proletária deve
conduzir à ditadura do proletariado. Essa que foi a principal lição de
1848, mostrou-se como a principal falta que conduziu à derrota da
Comuna. Suas maiores lições foram justamente naquilo que, na prática, se
aproximaram do balanço marxista de 1848. No entanto, evidentemente, o
fato heroico e histórico do proletariado francês trazia extraordinários
ensinamentos ao proletariado internacional. Mais uma vez, foi Karl Marx
que, manejando brilhantemente a linha de massas, soube tirar desses
fatos históricos grandes ensinamentos que enriqueceram ainda mais a
ideologia científica do proletariado. Assim nos diz Marx, em sua obra Guerra Civil em França, que foi aprovado como balanço da AIT, sobre a experiência histórica da Comuna:“Era este o verdadeiro segredo, ela [a Comuna] era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho.”.
O segredo da Comuna, descoberto por Marx, é que ela resolveu, do ponto de vista histórico, a forma pela qual se realizaria a ditadura do proletariado. Ficava mais claro para Marx que essa ditadura significava a constituição de um governo proletário, como forma política de exercício de sua ditadura, garantidora da apropriação dos meios de produção. A Comuna de Paris representou tanto o apogeu da AIT como o seu limite histórico. A experiência memorável da classe operária francesa demonstrava que para o triunfo da revolução socialista fazia-se necessário a constituição de Partidos Comunistas marxistas em cada país, que lutassem de forma legal e clandestina pela conquista do poder para o proletariado e o estabelecimento de sua ditadura. Por isso, constituiu vitória na luta de duas linhas do marxismo contra o bakuninismo a última decisão do Congresso de Haia, em 1872, que foi da transferência do Conselho Geral da AIT para Nova Iorque, pois era melhor encerrar suas atividades na Europa do que ser “assassinada pela unidade sem princípios”. Por outro lado, a guerra franco-prussiana deslocara o centro de gravidade do movimento operário da França para a Alemanha e, por isso, terá grande importância o processo de constituição do Partido marxista neste país. Após a Comuna, como indicou Lenin, iniciava-se o período “relativamente pacífico” que se estenderia até 1905, com a Revolução Russa. O principal legado para o proletariado internacional do período que vai de 1848 a 1871 é justamente o estabelecimento cabal e completo, teórico e prático da ideologia científica do proletariado todo-poderosa, porque verdadeira: o marxismo.
* Os próximos três parágrafos são todos uma paráfrase de trechos do referido texto de Lenin.
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