Grande queimada em Santo Antônio do Matupi, ao sul do estado do Amazonas. 27 de agosto de 2019. Foto: Associated Press (AP)
O relatório Máfia do Ipê: como a violência e a impunidade impulsionam o
desmatamento na Amazônia brasileira, divulgado no dia 17 de setembro
pela Organização Não-Governamental Humans Rights Watch (HRW) demonstra,
como pontuado na edição 226 do AND, que o desmatamento e as queimadas na
Amazônia se tratam de crimes do latifúndio relacionados à prática de
grilagem e inseridos em uma grande rede criminosa protegida por
paramilitares fortemente armados.
O documento examina o procedimento usual dos latifundiários para grilar
terras, em que se contratam pessoas para invadir, desmatar e queimar
áreas que não são suas, colocar cabeças de gado no pasto e então
revendê-las com documentos falsificados para terceiros, expulsando os
camponeses antes viviam e trabalhavam nas terras.
Para tal, é necessário muito dinheiro a fim cobrir os custos com a mão
de obra, o maquinário e as ferramentas (tratores, motosserras, correntes
e caminhões), a construção de uma larga infraestrutura, como aeroportos
clandestinos, e, é claro, os paramilitares (pistoleiros, policiais e
militares) que os protejam e que ameacem e executem quem vir a denunciar
seus crimes. Vale ressaltar que, geralmente, as terras griladas são
públicas, devolutas, ou áreas de intensa luta pela terra, onde vivem
indígenas, camponeses pobres, posseiros e outras populações
tradicionais, como quilombolas e ribeirinhos.
Ver também: Fausto Arruda: O que está por trás dos incêndios na Amazônia
Além de examinar como o desmatamento ilegal está diretamente conectado
às violências e agressões contra camponeses, indígenas, militantes e
quaisquer outrem que denunciem os crimes do latifúndio, o relatório de
169 páginas também expõe a relação deles com a conivência do velho
Estado brasileiro para com os grandes fazendeiros, e seu devido fracasso
em investigar e punir os criminosos.
Dados recentes da Polícia Federal mostram que, com otimismo, pelo menos
90% da madeira exportada que sai da Amazônia é ilegal, e que se trata de
um negócio milionário. Um único tronco de ipê pode ser vendido entre
R$2 mil a R$6 mil reais.
Para a elaboração do relatório, a HRW entrevistou mais de 170 pessoas
dos estados do Maranhão, Pará e Rondônia, bem como dezenas de servidores
públicos em Brasília e na região amazônica, ao que muitos narraram como
as políticas do governo de Bolsonaro e dos generais têm prejudicado a
fiscalização socioambiental. Nos primeiros oito meses de governo, o
desmatamento quase dobrou em comparação com o mesmo período do ano
anterior.
VIOLÊNCIA NO CAMPO SINTOMÁTICA
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos dez anos
foram registrados mais de 300 assassinatos devido a “conflitos agrários”
(conceito usado pela CPT) na Amazônia, em que a maioria está
relacionada à extração ilegal de madeira. A HRW examinou 28
assassinatos, além de quatro tentativas de homicídio e 40 ameaças de
morte em que as vítimas correspondiam a “obstáculos” para as atividades
de desmate e queima pelos monopólios. Em quase todos os relatos está
presente a atuação de agentes da polícia na coerção, ameaça e execução
das vítimas.
Leia também: Latifúndio bolsonarista incendeia Amazônia e imperialismo se intromete
Um dos diversos casos analisados pela entidade foi o do assentamento
mais incendiado durante as queimadas que varreram a Amazônia
recentemente: o Terra Nossa, no Pará, localizado entre Altamira e Novo
Progresso, principais focos de incêndio. Nele, já foram registrados
cinco assassinatos e um desaparecimento, todos depois de as vítimas
dizerem que iriam denunciar a extração ilegal de madeira.
Além do fogo, o assentamento é cercado e assolado por fazendas que
avançam sobre as terras e pelo garimpo ilegal, e há também um projeto de
mineração pela multinacional Chapleau Exploração Mineral, que inquieta
tanto os camponeses assentados como os indígenas Kayapó, que vivem na
Terra Indígena Baú, vizinha da propriedade.
Os moradores do Terra Nossa relatam que as cinco vítimas foram
executadas por um grupo paramilitar que trabalha para uma rede de
latifundiários ligados ao desmate criminoso. Um depoimento dado à Força
Tarefa montada para desmontar o esquema disse: “Usando carros da
polícia, armas e uniformes, a milícia ameaçava e atacava moradores
locais”.