06/03/2015 – 93ª dia de detenção
À Frente Independente Popular
Companheiros/as,
saudações vermelhas, incandescentes, a cada um de vocês!
Desculpem-me por não tê-los escrito antes. De certo modo, a FIP esteve presente em cada carta que escrevi, sejam as de cunho pessoal, sejam as diretamente políticas. Recordo-me de um texto do CHE, “O que deve ser um jovem comunista”, no qual diz que uma das maiores satisfações de um militante revolucionário é acompanhar, ao longo do tempo, como organizações que nascem débeis vão se estruturando aos poucos, ganhando expressão, até se converterem numa autêntica força. Bem, obviamente não tenho o texto aqui comigo, mas é mais ou menos assim … Com a Frente Independente Popular se dá exatamente isso. Ninguém, nem os que estavam diretamente envolvidos no seu surgimento, tinha dimensão do processo que estava sendo colocado em marcha. A FIP, na verdade, como unificação na e para a luta, no que há de mais engajado no movimento popular do Rio, segundo os princípios de classismo, combatividade e independência, é uma grande iniciativa da qual temos todo o direito de nos orgulhar. Mais do que isso, é um exemplo e um patrimônio da luta do povo brasileiro, que já tem na nossa trajetória várias lições positivas e negativas sobre as quais se apoiarem. Marx falava, genialmente, que o processo histórico, no qual, via de regra, vinte anos equivalem a uns dias, apresenta, de tempos em tempos, grandes dias que condensam em si vinte anos. Tivemos o privilégio de viver, nos últimos anos, grandes dias e temos o dever de extrair dessa experiência todas as lições que ela nos oferece. Essa é uma tarefa que ainda está, em grande medida, por fazer.
O cenário do país é de aprofundamento da crise, econômica e política, com sucessivos aumentos de impostos, corte de investimentos públicos – que sempre atingem, antes de tudo e principalmente, as chamadas áreas sociais – e direitos trabalhistas, alguns consolidados há décadas, simplesmente riscados do mapa via medida provisória, sem sequer fingir qualquer negociação. Os escândalos de corrupção se sucedem demonstrando que aumenta a divisão entre os “de cima”. Nas favelas e bairros pobres, sobretudo no Rio, a polícia segue sua ação genocida (não encontro outro nome), assassinando indiscriminadamente, principalmente a juventude, já privada dos direitos mais básicos e, cada vez mais, da própria vida.
Do nosso ponto de vista, o importante é ver o reverso necessário de tudo isso: o avanço do protesto popular. Este tem, realmente, estremecido o Brasil, de Norte a Sul, por categorias ou por bairros, com maior ou menor nível de organização. Não passa um único dia sem que barricadas sejam erguidas, e cada vez mais as forças repressivas topam com crescente disposição em resistir, por parte das massas populares. Não podemos descartar que ocorra, nesse contexto, nos próximos meses, levantamentos de maiores proporções, mas, independentemente disso, a tendência doravante é de turbulências e instabilidade. As jornadas de Junho de 2013 não foram o início nem muito menos o fim de nada, mas apenas um momento marcante do novo ciclo da luta de classes no país. Esse ciclo tem como traço distinto o fato de que os oprimidos começam a se libertar da camisa de força do oportunismo e do reformismo, rechaçando crescentemente o descaminho da conciliação. O PT rasgou suas últimas vestes de comprometimento com qualquer projeto popular e somente o cinismo, pago a peso de outro, pode sustentar ter o governo Dilma qualquer colocação “à esquerda”. Ao Estado restará cada vez mais o único recurso da repressão para conter a rebelião popular que se gesta e que é inevitável. Preparemo-nos para grandes batalhas!
Não podemos, na verdade, superar novos desafios com o mesmo nível de consciência e organização de um período anterior, o que nos tornaria conservadores, ou até mesmo reacionários. Não estamos numa época para ambiguidades e é certo que seremos colocados à prova mais vezes. Se o inimigo nos ataca, isso significa que escolhemos o lado correto. Caso estivéssemos, a essa altura do campeonato, sendo homenageados por órgãos oficiais, participando de reuniões em palácios ou recebendo tapinhas nas costas de governantes, aí então esse seria um índice de que falhamos. Mas não, escolhemos estar até o fim ao lado da juventude combatente e dos trabalhadores da cidade e do campo, estamos convictos quanto a essa escolha, portanto, não há o que temer. Quem teme, certamente, são os que nos perseguem, pois viram que sua cara feia não nos assusta nem nos quebra. Não está longe o dia que pagarão dobrado todo o nosso penar.
No próximo dia 12 de Junho completa-se um ano da onda de prisões políticas que se abateu sobre vários de nós, na véspera da final da Copa do mundo. Essa data, tão expressiva, não pode passar em branco. Transformar as acusações feitas contra nós na denúncia vigorosa do Estado que nos acusa é tarefa chave para frustrar apolítica de amedrontamento aplicada pela reação. A FIP, bem como as organizações que a compõe, está no centro de acontecimentos de grande importância. O que está em jogo, no caso do nosso processo, que é de fato o processo da FIP, é o direito do povo de se expressar, manifestar e organizar livremente. Tratam-se das poças liberdades democráticas conquistadas por nosso povo ao fim do regime militar, foram arrancadas numa dura e sangrenta resistência, e não será a nossa geração que carregará a vergonha de tê-las cedido sem luta. Ao contrário, devemos erguer alto a consigna de que “Lutar Não É Crime!” e coesionar tudo o que há de progressista, democrático e revolucionário em torno dela. Calar-se diante de fatos tão graves, omitir-se ante a campanha pelo fim dos processos e prisões políticas é mais do que um ato de covardia: é um crime. Por isso proponho que, no próximo dia 12 /07, realizemos, aqui no Rio, um grande encontro nacional de presos e perseguidos políticos do Estado brasileiro na atualidade. O reconhecimento de nosso caráter de perseguidos políticos não virá de mão beijada, mas será conquistado com luta, e só pode ser definitivamente estabelecido pela História. Não permitir que nos apresentem como inconsequentes, criminosos, “assassinos”, apresentar nossa versão, nossos pontos de vista, defendê-los, são a chave para encorajar o prosseguimento das mobilizações. Esse deve ser, em última instância, o nosso objetivo com esse evento, que precisa ser organizado à altura dos desafios que estão em jogo. Proponho também, desde já, que sejam excluídas de qualquer das suas instâncias as forças governistas e aquelas que, dizendo-se de “esquerda”, prestaram-se ao vil papel de criminalizar a FIP e a juventude combatente, ou calaram-se covardemente perante os recentes acontecimentos.
Espero com ansiedade estar brevemente livre para ajudá-los a concretizar essa proposta, que, sem dúvida, demandará muitos esforços. Se isso não for possível, no entanto, fico tranquilo porque sei que estará em boas mãos.
Viva a Frente Independente Popular!
Lutar não é crime!
Liberdade aos presos políticos!
PS: Viva greve dos Garis!
Igor Mendes