A história
recente é pródiga em exemplos de como é possível que das farsas eleitorais
realizadas mundo afora surjam retumbantes pantomimas para manter as velhas
classes dominantes no poder, mas que tentam se vender por “alternativas”. Ocorre
que, ao contrário de como se apresentam ao povo, essas forças e figuras
pretensamente fora da curva da “velha política”, elas são, sim e realmente,
alternativas, mas não para as massas trabalhadoras ante as políticas antipovo
implementadas pelos Estados encabeçados por aqueles representantes mais
notórios e antigos dos interesses dos maiores inimigos das classes populares.
São, isto
sim, e sobretudo em momentos de grandes dificuldades para o capital,
alternativas justamente para dar novas roupagens às velhas estruturas de
dominação e opressão, de fome, morte e escravidão, seja no plano nacional, seja
no âmbito da divisão internacional do trabalho.
Exemplo
recente, crasso e maior disso foi a eleição de Luiz Inácio no Brasil em 2002
como um grande caminho alternativo para revigorar o capitalismo burocrático
nacional e, sendo assim, azeitar e ajustar, sob o disfarce da “esquerda”, as
engrenagens político-jurídicas deste pobre país para atender à fome cada vez
maior de rapina e exploração (remessa de lucros, reserva de matérias-primas e
mão de obra barata) por parte dos monopólios internacionais chafurdados na
crise, com o mais rasteiro oportunismo atendendo ainda aos mais inconfessáveis
interesses e às mais reacionárias demandas do latifúndio e da grande burguesia
nacionais.
Outro
exemplo foi a própria eleição no USA de Barack Obama, a grande alternativa
encontrada pela grande burguesia industrial daquele país para tentar dar uma
cara mais amigável, amena, ao imperialismo ianque justamente no momento em que
o imperialismo ianque se preparava para ser o mais feroz da história, com o
aprofundamento do seu grande projeto de dominação global delineado como único
caminho para tentar conter a crise geral de superprodução relativa do
capitalismo — a chamada “guerra contra o terror”, com suas invasões, ocupações,
provocações, ataques, sabotagens e fomento de guerras civis em várias e várias
nações de todo o planeta.
Ora, não
seria algo muito parecido com tudo isso o que está acontecendo exatamente agora
na Europa devastada pela chamada “crise da dívida” — a nuance local, a forma
como lá aflorou de maneira mais clara a crise geral dos monopólios — com a
ascensão eleitoreira de uma certa “esquerda radical”?
“Esquerda”
essa afeita a disputar — e, logo, a encampar — farsas eleitorais das quais nada
de verdadeiramente bom pode sair para as classes populares, e que se fosse
“esquerda” de verdade estaria nas ruas ao lado das massas nas agigantadas e
inflamadas jornadas de protestos contra o arrocho sem fim, ao invés de se
empoleirar nas estruturas do Estado propondo a patranha de conciliar melhor os
interesses do grande capital monopolista e as aspirações do povo.
“Esquerda”
essa que pouco ou nada fala nas questões de classe — as que realmente importam
— e em cujos programas não consta qualquer menção ao objetivo último e missão
histórica das classes trabalhadoras, que é pôr fim ao sistema de exploração do
homem pelo homem. Ao contrário. Esta “esquerda” não se envergonha de dizer que
sua “radicalidade” consiste em propor caminhos alternativos — olha a
“alternativa” aí! — para restaurar a saúde do capitalismo nos países onde se
viabilizou ou está em vias de se viabilizar no gerenciamento do Estado.
Na
dianteira, por assim dizer, da ascensão na Europa do oportunismo dito
“antiausteridade” está o Syriza (sigla em grego para Coligação de Esquerda
Radical), que acaba de vencer as eleições gerais na Grécia acenando para as
massas pauperizadas, humilhadas e arrochadas a mando da Europa do capital
monopolista com o rompimento com as políticas antipovo. Políticas estas ditadas
pela Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) aos antecessores
do novo “primeiro-ministro” grego, Alexis Tsipras, que menos de um mês depois
de tomar posse no cargo disse que afinal concordava “com 70% das exigências dos
credores”.
Depois de
começar seu turno na gerência do Estado grego anunciando um acordo de
“governabilidade” com a direita mais famigerada e de flertar com o imperialismo
russo — provavelmente tentando se cacifar melhor para a barganha com a UE —, o
Syriza não demorou para sequer conseguir sustentar o cacarejo anti-Europa e
anti-FMI com que trilhou a via eleitoreira cavalgando a insatisfação
generalizada das massas.
A
“esquerda” quer um “voto de confiança” do capital...
Em meados
de fevereiro a própria imprensa burguesa da Europa já ironizava a distância
olímpica entre a oratória de Tsipras e de seu incensado ministro das Finanças, Yanis
Varoufakis, e a prática daquela camarilha. No dia 11 de fevereiro, o jornal
espanhol El País noticiava que:
“Apesar da
forte retórica dos últimos dias, o ministro de Finanças, Yanis Varoufakis,
apresentará ao Eurogrupo na quarta-feira a proposta do Syriza, que começa a
parecer aceitável para os sócios do Eurogrupo.”
E seguia:
“Entre os
planos da Grécia não há mais rastros de perdão de dívidas, nem a recusa de um
terceiro resgate associado a novas condições, as duas linhas vermelhas que
impediam qualquer vislumbre de acordo. As posições começam a se aproximar: a
Grécia está disposta a aceitar uma ‘extensão técnica’ do resgate atual até
agosto, para chegar a um pacto sobre um novo programa, resgate ou ‘contrato’,
como Berlim começa a chamar.”
Em entrevista
à rádio Renascença, de Portugal, o eurodeputado do Syriza, Dimitrios
Papadimoulis, disse que a Europa precisa de uma espécie de New Deal. Vejam: New
Deal. Justamente o grande programa de obras de infraestrutura lançado por
Franklin Roosevelt visando preparar o USA para a segunda grande guerra
imperialista pela partilha do mundo entre os monopólios das grandes potências. Este
é o tipo de ideia difundida por esta “esquerda radical”.
Depois do
Syriza, é o partido espanhol ‘Podemos’ a outra força político-eleitoreira que
também emerge sob holofotes e sob o chapéu da “nova esquerda europeia” (quem se
lembra na “nova esquerda latinoamericana”, tão incensada por certos
“revolucionários” e certa intelectualidade, e que na prática foi e é recheada
da nata do oportunismo dos trópicos, como Luiz Inácio, Chávez, Morales e que
tais?).
Pesquisas
sobre intenção de voto já mostram o Podemos alcançando o segundo lugar nas
eleições que o Estado espanhol organiza ainda neste ano. No Brasil,
“dissidentes” do partido eco-oportunista Rede Sustentabilidade, de Marina
Silva, criaram o ‘Queremos’, inspirados no, digamos, oportunismo de novo tipo
europeu, sempre visando participar, legitimar e engrandecer as farsas
eleitorais que só atendem ao imperialismo, ao latifúndio, à grande burguesia e
a tudo mais quanto é inimigo das massas trabalhadoras. A prioridade dos
fundadores deste Queremos é colher assinaturas para conseguir o registro que
lhe permita ser mais um a disputar as próximas farsas eleitorais no Brasil.
Assim como,
quando perguntado sobre os principais objetivos do Podemos, o líder do novo
partido espanhol, Plabo lglesias, sequer se faz de rogado em dizer — ansioso
que está para se tornar “primeiro-ministro” — que o principal deles é ganhar as
eleições legislativas que devem acontecer até final de 2015, passando ao largo
das questões de classe e da urgência quanto à construção de uma democracia
verdadeiramente popular na Espanha e nos demais países europeus.
Como o
Syriza, o máximo de “radicalidade” que o Podemos coloca sobre a mesa é o aceno
com a possibilidade de devolver o capitalismo aos seus níveis, digamos, normais
de exploração do homem pelo homem, sem arrochar demasiadamente as massas
trabalhadoras a ponto de jogar fogo no palheiro da rebelião generalizada e de,
na ponta do lápis da matemática burguesa, colocar a suposta “recuperação” a
perder — como se de uma forma ou de outra fosse possível reverter a crise geral
que já vem de décadas e que se agrava inexoravelmente ano após ano.
Assim como
Luiz Inácio tentou fazer a rapina dos monopólios na semicolônia Brasil mais
palatável; assim como Obama tenta fazer o imperialismo ianque parecer mais
ameno.
Não por
acaso já começam a aparecer aqui e ali velhas raposas da política europeia e renomados
economistas burgueses dizendo que talvez seja o caso de dar-lhes, aos Syrizas
da vida, um “voto de confiança”, justamente a expressão usada por Panos
Kammenos, o líder do fascista ANEL, para justificar a aliança da
“extrema-direita” com a “extrema-esquerda” na Grécia.
No dia 8 de
fevereiro, por exemplo, o “chanceler” da Áustria, Werner Faymann, saiu a dizer
que a “abordagem anticrise” do Syriza é mais inteligente do que a “austeridade”
receitada pela Alemanha e pela Comissão Europeia. Para Faymann, combater a
corrupção e a evasão fiscal, como promete o Syriza, faz mais sentido do que
cortar gastos e privatizar durante a crise. Disse isso às vésperas de uma
visita oficial a Viena do próprio Tsipras, a quem o astuto chefe do Estado
austríaco chamou de “novo amigo”
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