- a nova democracia - brasil
- Daniel Moreno
Nota da redação: Publicamos, a seguir, texto do leitor Daniel Moreno sobre as lições trazidas pelo levantamento espontâneo das massas populares equatorianas, traídas pelo oportunismo.
O padrão recente dos levantes espontâneos de massa na América Latina não aponta, apesar de sua inegável radicalidade, para a configuração de um processo revolucionário consciente e completo por si só. Sem o elemento consciente, sem uma organização revolucionária do proletariado, tal padrão só apontará a uma reacionarização do Estado tanto pelo oportunismo quanto pela conformação de governos com elementos de extrema-direita.O exemplo mais emblemático, talvez por ser o primeiro do tipo “pós-ditaduras” foi o Caracazo na Venezuela, em 1989, que na verdade foi parte de vários levantes enfurecidos com pacotes econômicos do governo de Carlos Andrés Pérez. O resultado histórico do processo foi, com a falta de uma vanguarda comunista, a acumulação da direção do potencial de guerra em setores radicais do Exército e da sociedade civil que conformariam o chavismo e o gerenciamento do capitalismo burocrático.
Em 2000, na Bolívia, uma série de revoltas violentas contra a privatização do sistema de fornecimento de água obrigaram o Estado a declarar lei marcial. Todos os partidos tradicionais da Bolívia morreram nos olhos do povo, mas um novo aglomerado de forças independentes, tendo Evo Morales em sua cabeça, conformam o Movimento Para o Socialismo (MAS), que vão canalizar o ódio do povo e domesticá-lo para as urnas.Em 2001, na Argentina, um dos exemplos mais emblemáticos: revoltas violentas e generalizadas com o mote “Que se vão todos!”, o Argentinazo. Resultou em duas renúncias seguidas de governos de direita, numa série incrível de crise generalizada no Estado que se conformava desde 1998, e em estado de sítio. O resultado foi o ressurgimento da “velha esquerda” próxima do peronismo que vai governar com Kirschner durante bastante tempo e “estabilizar” as forças revoltas no país.Sabemos os resultados a longo prazo de todos os governos acima citados.Nesse sentido, as revoltas de 2013 no Brasil têm um caráter interessante: não só foram contra uma gerência do oportunismo, como o oportunismo não conseguiu desde então se reorganizar no Estado para apaziguar o país, além de que a crise econômica já não permitia a conciliação de classes. O que resultou foi uma incremento da reacionarização geral do Estado, que já marchava a passos largos nos governos oportunistas, e os resultados estamos vendo até hoje. Uma espécie de reacionarização contínua que não víamos na era “pós-ditadura” além do México, que sempre manteve um Estado constantemente em reacionarização acelerada, onde a “ruptura democrática” não ocorreu da maneira “classicamente” latino-americana; e do Haiti, que vive sobre o controle direto de milícias e do imperialismo (através da ONU) desde que o governo de Jean Bertrand Aristide foi derrubado em 1991.Isso nos leva a algumas conclusões:-
O movimento espontâneo das massas possui um limite, e, nos anos 90-2000, o imperialismo usou principalmente do oportunismo para apaziguar a América Latina enfurecida, com o chamado Pink Tide.
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Está colocado duas possibilidades maiores para a resolução reacionária dos levantes espontâneos de massa no continente, e não podemos prever o futuro. Todavia, um deles, a via do apaziguamento via governos do oportunismo, está mostrando sinais de decadência histórica – o que aponta cada vez mais para o oportunismo também ser varrido pela reacionarização geral do Estado: o “modelo mexicano” e o “modelo haitiano”.
A vigilância deve estar sempre constante contra o oportunismo, pois ele vem provando ser a primeira arma de desarticulação da luta espontânea na América Latina do século XXI, apesar de que o fascismo sempre está no cio e é a ele que a reação recorre quando a crise econômica, política, ideológica e social alcança níveis profundíssimos, com vistas a levar à tona as tarefas da contrarrevolução, esmagando os elementos hostis à velha ordem e corporativizando as massas populares.O Equador está passando por uma situação similar às citadas anteriormente: a vanguarda do proletariado não está em condições de imprimir uma direção imediata nesse grande movimento espontâneo (como é natural, isso só se pode fazer parte por parte), conquanto há desertores do Exército em confronto direto com a polícia e instauração de estado de sítio. As perguntas que os comunistas e progressistas no Equador devem se fazer (assim como a de quaisquer comunistas legítimos confrontados com uma situação de levante espontâneo das massas) é a mesma que Mao indica no Relatório Sobre uma Investigação Feita no Hunan a Respeito do Movimento Camponês:“Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelos camponeses, sendo aceites ou rejeitados segundo a escolha que tiverem feito. Há três alternativas: marchar à frente dos camponeses e dirigi-los? Ficar atrás deles, gesticulando e criticando? Erguer-se diante deles para combatê-los? Cada chinês está livre para escolher dentre essas três alternativas, e os acontecimentos forçarão toda a gente a fazer rapidamente a escolha”.A grande questão no momento não é se a rebelião virará uma revolução, mas sim, se ela plantará ou não as sementes para uma, tal como a Revolução Democrática de 1905 gestou o processo que culminaria na Revolução Bolchevique de 1917. E, para isso, a atenção deve ser especialmente dada no combate a todo o oportunismo que certamente mostrará sua face com o desenvolvimento da situação em suas contradições. O processo, como está, dificilmente se manterá por tempo indeterminado; a luta, portanto, é principalmente para consolidar forças e raízes entre as massas desgarradas.Rafael Correa, ex-presidente e também gerente oportunista do Pink Tide, já se apresentou como possível resultado da circunstância, ainda que, do ponto de vista econômico, um governo seu seja, hoje, o menos conveniente para o imperialismo, haja vistas as medidas econômicas necessárias a se impor de modo abrupto. Apesar disso, não nos esqueçamos de onde ele veio: como nas historietas contadas acima, em 2005, uma gigantesca revolta no Equador força a saída do então presidente, o militar Lucio Gutiérrez. O período de turbulência no Equador, que começou em 2000 (com um golpe de Estado), só teve fim quando Correa foi eleito.A rejeição agressiva às sugestões de outro mandato de Correa dizem duas coisas: primeiro, que o oportunismo não solucionou os problemas que propagandeou solucionar e, portanto, sua armadilha parece mais óbvia para as massas; segundo que, se o oportunismo está fora de campo, a possibilidade objetiva para a reacionarização mais profunda do Estado nas mãos de uma extrema-direita está posta. Isso, por outro lado, significa a germinação de uma situação revolucionária ainda mais aguda, na qual os comunistas desse país devem estar atentos para colher.Foto: AFP
Wednesday, October 23, 2019
Notas sobre as manifestações no Equador
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